Nunca houve um
presidente que fosse a Washington sem levar nenhuma pauta de interesse dos
brasileiros
O Planalto adota discurso
e atos contra a soberania nacional, políticas de destruição de direitos
conquistados ao longo de décadas e ameaça Previdência. País vive pior momento
de sua história
Não é por acaso que, após 100 dias do governo de
Jair Bolsonaro, o presidente tem a pior avaliação para
eleitos em primeiro mandato desde 1990. O desempenho está diretamente relacionado
a inúmeros aspectos em todas as áreas, embora o principal símbolo negativo dos
atuais "comandantes" do país seja sua atuação na política externa,
pois compromete a soberania nacional de maneira nunca vista.
"Não há comparação possível em relação à questão da subserviência.
Se pensarmos no regime militar, houve uma subordinação muito forte em relação
aos Estados Unidos. Mas, pelo menos em alguns momentos, no governo Geisel, a
subserviência não foi total", diz Maria Aparecida de Aquino, professora da
pós-graduação do Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP).
"É uma coisa nunca vista. O presidente chegou a fazer um papel ridículo na
sua visita aos Estados Unidos.
Parecia que estava na Disneylândia."
Na
comparação, a professora cita o período do general Ernesto Geisel (1974-1979)
em que o governo se empenhou para concretizar um aporte financeiro ao Brasil,
optando pela Alemanha, com a qual assinou o acordo nuclear em 1975. "O
atual governo me parece mais dependente, mais subserviente."
Para Igor
Fuser, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC
(UFABC), mesmo em "casos grotescos" de subserviência, como nos
governos de Castello Branco, Fernando Collor ou Eurico Gaspar Dutra, "o
Brasil não chegou ao ponto da humilhação como no governo Bolsonaro".
"Nunca
houve um presidente que batesse continência para um funcionário dos Estados
Unidos, ou que fosse a Washington sem levar nenhuma pauta de interesse dos
brasileiros. Mesmo nos piores momentos de servilismo, o Brasil sempre procurou
obter alguma coisa em troca da obediência."
Para a
professora da USP, embora os governos Castello Branco e Geisel, ambos da
ditadura pós-golpe de 1964, sejam muito semelhantes, e o primeiro marcadamente
entreguista, "na realidade não chegam ao ponto em que chegamos hoje e
nosso receio é: para onde isso tudo vai?"
O único
precedente que se poderia citar em relação a Alcântara, no Maranhão – um ponto
estratégico no mapa-múndi e fundamental para pesquisas científicas brasileiras,
observa Fuser – é do período da Segunda Guerra Mundial, quando o Brasil fez um
acordo com os Estados Unidos para a instalação de uma base aérea no Rio Grande
do Norte. "Mas isso se deu num contexto de guerra, quando os dois países
eram aliados contra os nazistas. Quando terminou a guerra, os americanos foram
embora. O atual acordo sobre Alcântara é algo a perder de vista."
Educação e
Previdência
Infelizmente
para o país, as mazelas apontadas pelos analistas estão longe de se resumir à
política externa. Pelo contrário. Outra área essencial a uma nação soberana, a
Educação, é objeto de atos e declarações "abusivos ao extremo", na
opinião de Maria Aparecida de Aquino.
"O ministro da Educação recentemente demitido (Ricardo Velez Rodrigues)
disse que ia mudar a história. Como assim? Que coisa absurda é essa, dizer que
não foi golpe, que o regime militar foi maravilhoso? Cada dia é uma nova
notícia mais absurda do que a outra", observa a professora.
"Demitiram o ministro Vélez, o cavaleiro da triste figura, e colocaram
outro cidadão que tem observações tão absurdas quanto ele."
Antes de ser
demitido do MEC, Vélez Rodríguez disse que o ministério estaria incumbido de
"preparar o livro didático de forma tal que as crianças possam ter a ideia
verídica, real, do que foi a sua história". Ele complementou: o golpe de
1964 foi "uma decisão soberana da sociedade brasileira".
A professora da USP lembra que, no contexto dos 100 dias de Jair
Bolsonaro, uma das principais políticas de destruição diz respeito à
"desastrosa proposta de reforma da Previdência".
Os pontos que se pode destacar são muitos "e é difícil dizer o que é
pior", comenta Fuser.
"Direitos
do povo sendo destruídos, a violência contra a população pobre. Ao que se faz
em política externa há o equivalente em todas as áreas. O Brasil está vivendo o
pior momento da sua história. Mesmo no regime militar, quando aconteciam as
atrocidades, o Brasil ainda existia como país, havia políticas de
desenvolvimento, preocupação com economia, apesar dos crimes e
autoritarismo."
Amazônia
Outro exemplo "muito grave" de abandono da soberania nacional
pelo atual governo, apontado pelos analistas, diz respeito à política ambiental
e a tentativa de entrega da Amazônia. Em entrevista na segunda-feira (8),
Bolsonaro afirmou que existe uma "indústria de
demarcação" de terras indígenas e que pretende fazer uma
parceria com os Estados Unidos para explorar a Amazônia. "Trata-se de um
duplo crime: contra a pátria e contra a natureza", diz Fuser.
"Não
tenho bola de cristal, mas todas essas coisas são tão abusivas e o desgaste do
atual governo em apenas 100 dias é tão grande que tenho dúvidas se ele vai
conseguir fazer alguma coisa, algumas dessas loucuras que tenta", afirma
Maria Aparecida.
Entretanto,
para ela, há uma constatação positiva em meio ao quadro de desalento. "Não
dá para pensar em coisas perenes em termos históricos. Mas enquanto não for
brecado, o governo tentará todos os absurdos possíveis. Se a sociedade não
conseguir resistir ou se pelo menos o Congresso não tiver uma força mais ou
menos organizada, a situação pode ficar muito difícil para o país."
Direitos
humanos
Em documento
divulgado pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), relacionado
a sua atuação nos primeiros 100 dias de 2019, envolvendo articulação com
movimentos sociais e organismos internacionais, monitoramento de políticas
públicas, atuação junto ao Judiciário e interlocução com o Congresso Nacional,
o órgão lista diversos tópicos.
Entre eles,
mais de 60 pedidos de esclarecimentos, recomendações ou solicitações sobre
medidas que afetam direitos humanos; cinco representações à Procuradoria Geral
da República com sugestão de ações no Supremo Tribunal Federal sobre
constitucionalidade de decretos, legislações e outras medidas que violam
garantias fundamentais; seis notas técnicas ao Congresso para subsidiar
parlamentares na análise de projetos de lei contrários aos direitos humanos.
Entre os
exemplos citados, a PFDC menciona o Decreto 9.685, de 15 de janeiro, que
ampliou as hipóteses de registro, posse e comercialização de armas de fogo no
Brasil. Essa medida compromete "a política de segurança pública,
especialmente no tocante ao direito à vida", esclarece o Ministério
Público Federal.
Leia a íntegra do documento da PFDC aqui.
Fonte: Rede Brasil Atual
Redação/Blog Edmilson Moura.