Pandemia e cortes no orçamento forçam o adiamento do Censo desta década – Foto
O dia seguinte ao anúncio de que o texto do Orçamento 2021 prevê um corte de R$ 1,76 bilhão, dos R$ 2 bilhões, do Censo Demográfico 2021, foi de protesto entre os servidores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os trabalhadores exigem que o governo federal justifique a redução da verba para o levantamento.
“Temos dúvidas sobre as intenções do
governo. O governo decidiu por esse corte porque ele quer que o IBGE adie o
Censo para 2022, por conta da pandemia, ou o governo não quer que tenha Censo?
O governo imprimiu esse corte, mas está comprometido com o Censo em 2022? Ou
ele não quer que e o IBGE faça Censo? Ou ele quer que o IBGE faça uma piada de
Censo?”, questiona Luanda Botelho, coordenadora do Sindicato dos
Trabalhadores do IBGE (ASSIBGE).
Em nota divulgada na última terça-feira (23), o IBGE admitiu o adiamento, caso o orçamento não seja revisto, o que seria trágico. No documento, o órgão reforçou que “o país necessita das informações geradas pelo Censo, que são essenciais para subsidiar políticas públicas em diversas áreas, especialmente em um contexto de pandemia, onde esses dados são estratégicos para o avanço da vacinação e para o planejamento de infraestrutura em saúde.”
O corte foi apresentado pelo
relator-geral da Comissão Mista Orçamentária (CMO) do Congresso Nacional,
senador Márcio Bittar (MDB-AC), na última segunda-feira (22). Com a revisão
orçamentária, resta ao IBGE apenas R$ 190,7 milhões que poderiam já ser aplicados,
além de outros R$ 50 milhões como crédito suplementar, que precisa ser
corroborado pelos parlamentares.
Botelho explica que o valor de R$ 2
bilhões “já era enxuto”. De acordo com a campanha “Em defesa do Censo”,
encabeçada por servidores do IBGE, o valor necessário para a realização do
levantamento seria de R$ 3,1 bilhões.
Vou fazer uma conta simples para você
entender”, convida Botelho. “Temos mais de 70 milhões de domicílios e
precisamos visitar esses domicílios em três meses. O IBGE calcula que,
para essas visitas, nesse tempo, são necessários 200 mil recenseadores. Então,
200 mil recenseadores trabalhando por três meses, com um orçamento de R$
200 milhões, você está falando que cada recenseador receberia R$ 300 por mês. E
isso falando apenas do salário dos recenseadores, há uma enorme estrutura
envolvida”, encerra a servidora.
Em nota, a ASSIBGE acompanhou o
desejo do IBGE e pediu o adiamento do Censo, caso o novo corte se confirme. “De
forma crescente, centenas de técnicos do IBGE, em todo país, vêm se
posicionando publicamente a respeito da inviabilidade de realização do Censo
esse ano. Pensamos que a melhor solução é um novo adiamento, com uma
mobilização da sociedade civil que garanta um Censo de qualidade, com o
orçamento pleno, no momento em que a situação sanitária permitir.”
No calendário do Censo 2021, cujo
início está marcado para agosto, estava prevista a realização do Teste de
Homologação de Equipamentos e Sistema, no município de Engenheiro Paulo de
Frontim, no Rio de Janeiro, que treinaria uma delegação do IBGE e também
experimentaria os equipamentos utilizados pelos recenseadores. Porém, o evento
foi cancelado pelo órgão, após solicitação da prefeitura local, que fechou a
cidade, com receio da pandemia do coronavírus.
De acordo com a Agência Senado, a
Comissão Mista do Orçamento deve se reunir nesta quarta-feira (24) para
analisar a proposta de Bittar, e o projeto pode ser votado ainda nesta semana.
Cortes
A primeira versão do orçamento do Censo é de 2018, quando o IBGE previu que seriam necessários R$ 3,4 bilhões para a realização do levantamento. Em março de 2019, três meses após Jair Bolsonaro (sem partido) ser empossado na Presidência da República, o valor foi reduzido para R$ 2,3 bilhões.
Em dezembro de 2020, o governo enviou
a primeira versão do Orçamento 2021, já revisada pelo relator Bittar. No
texto, o Palácio do Planalto reduzia para R$ 2 bilhões o teto de gastos do IBGE
com a realização do Censo.
Botelho explica que a realização do
Censo é fundamental para o país, e os resultados amparam políticas públicas em
todas as esferas. “É a única pesquisa que vai em todos os domicílios e, logo, a
todos os municípios do país. Se não for pelo Censo, você não sabe quantas
pessoas com deficiência tem em Cachoeira de Macacu (RJ); você não tem
informação sobre o mercado de trabalho em Osasco (SP), se não for pelo Censo;
quantas crianças estão fora da creche em Juazeiro (CE)? Quantas pessoas estão
desempregadas em Pelotas (RS)?”
Pandemia
Com o país às portas de atingir a marca de 300 mil mortes em decorrência
da contaminação por coronavírus, os servidores do IBGE já vislumbravam
dificuldades em realizar o Censo em 2021.
“Enviamos um ofício ao IBGE
perguntando sobre os EPI’s (equipamentos de proteção individual) e não
obtivemos respostas. As pessoas vão se sentir seguras de receber um agente
do IBGE em suas casas?”, pergunta Botelho. Para a servidora, caso o Censo seja
realizado nas condições atuais da pandemia, haverá um número alto de visitas de
recenseadores rejeitadas.
Desde fevereiro, servidores defendem,
nas assembleias do sindicato, que o Censo seja adiado para 2022, por
preocupação com a covid. Coordenadores do Rio Grande do Sul ameaçaram entregar
o cargo caso a pesquisa fosse realizada em meio à pandemia, expondo
trabalhadores e a população.
Servidores do IBGE em Goiás chegaram
a divulgar uma carta defendendo o adiamento, usando a pandemia como
justificativa. Fala Botelho: “Estão sendo descobertas novas variantes do vírus,
mais transmissíveis, aumentando exponencialmente o perigo de infecção da
população. Segundo especialistas, o ritmo da vacinação e a disponibilidade
insuficiente das doses nos próximos meses também não contribuem para um cenário
otimista para este ano, nem mesmo no seu 2º semestre. É cada vez mais evidente
que encaramos circunstâncias muito mais difíceis neste ano do que no anterior
(2020).”
Histórico
O Censo Demográfico é realizado desde
1872 no Brasil e, desde 1920, acontece decenalmente, sempre em datas fechadas.
Antes de 2020, por conta da pandemia, a pesquisa foi adiada outras duas vezes:
em 1930, por conta do levante daquele ano, que permitiu a chegada de Getúlio
Vargas ao poder; e em 1990, quando foi prorrogado para 1991, por atraso do
governo de Fernando Collor, que tentou evitar a contratação dos recenseadores.
O então presidente queria recrutar os servidores federais para a função, mas
foi impedido pela Justiça.
Políticas públicas comprometidas
A
falta de realização do Censo compromete a eficiência das políticas públicas
brasileiras – é o Censo que orienta grande parte dos investimentos públicos.
Em
nota divulgada esta semana, a presidente do IBGE, Susana Cordeiro Guerra, e o
diretor de Pesquisas, Eduardo Rios-Neto, afirmaram que "sem o Censo em 2021, as ações governamentais pós-pandemia serão fragilizadas pela
ausência das informações que alicerçam as políticas públicas com impactos no
território brasileiro, particularmente em seus municípios".
Questionado feito sobre as consequências da aprovação do Orçamento para o Censo e para o concurso em andamento para realização da pesquisa, o IBGE informou que, diante deste cenário, "solicitará orientações ao Ministério da Economia sobre os procedimentos no tocante à operação censitária que, de acordo com a lei 8.184/1991, deve ser realizada a cada dez anos".
Importância do Censo
Realizado a cada dez anos, o Censo coleta dados da população e permite traçar um retrato abrangente do país. Além da contagem populacional, a pesquisa traz dados sobre condições de vida, emprego, renda, acesso a saneamento, saúde e escolaridade, entre outros.
Essas informações são essenciais para o desenvolvimento e implementação de políticas públicas e para a realização de investimentos públicos e privados.
Veja algumas das políticas afetadas pelo Censo:
·
Calibragem da democracia
representativa, através da contagem populacional (definição do número de
deputados federais e estaduais e de vereadores)
·
Determinação dos públicos-alvo de
políticas públicas federais, estaduais e municipais
·
Detalhamento da população em risco
para campanhas de vacinação
·
Ajustes nas políticas para superação
e recuperação pós-pandemia
·
Distribuição das transferências da
União para estados e municípios, com impacto significativo nos orçamentos
públicos (segundo o IBGE, em 2019, 65% do montante total transferido da União
para estados e municípios consideraram dados de população)
·
Transferências e recursos para a
administração do Bolsa Família
·
Identificação de áreas de
investimento prioritário em saúde, educação, habitação, transportes, energia,
programas de assistência a crianças, jovens e idosos.
Fonte. Brasil de Fato.
Blog Edmilson Moura.

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