Com inflação sem trégua, rendimento das famílias não
para de encolher e chega ao menor nível desde o início da série histórica do
IBGE
Diante da escalada
da inflação, a renda dos trabalhadores brasileiros não para de encolher e está
no menor nível desde 2012, início da série histórica do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). Não bastasse a população estar ganhando cada vez
menos por conta da carestia, a desigualdade vem aumentando em meio à pandemia
da covid-19, que colocou o país de volta ao mapa da fome.
Duas em cada três
categorias de trabalhadores não têm reajustes suficientes para recompor as
perdas com os aumentos de preços, de acordo com sindicalistas. Em 2021, o
Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial,
registrou alta de 10,06%, a maior variação anual desde 2015. Nesse contexto,
muitas famílias já escolhem comprar comida ou pagar as contas.
O desemprego deu
uma leve recuada, devido à reabertura da economia, conforme os dados mais
recentes do IBGE, mas ainda atinge um grande número de brasileiros, e a
informalidade voltou a crescer. O número de desempregados chegou a 12,9 milhões
de brasileiros no trimestre móvel de agosto a outubro de 2021, segundo a
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua).
O levantamento do
IBGE mostra ainda que o rendimento médio, de R$ 2.449, caiu 4,6%, frente ao
trimestre anterior, e 11,1%, em relação ao mesmo intervalo de 2020. É o menor
patamar desde o início da série. Enquanto isso, a taxa de informalidade chegou
a 40,7% da população ocupada, ou 38,2 milhões de pessoas. No trimestre
anterior, essa taxa era de 40,2% e, no mesmo período de 2020, de 38,4%.
Perdas reais
Pesquisa da
consultoria IDados, com base em dados da Pnad, revela que 30,2 milhões de
brasileiros não ganham o suficiente para sobreviver e têm renda de trabalho de
até R$ 1.100, o valor do salário mínimo de 2021. Aliás, desde 2019, o piso
salarial deixou de ter ganho real, e, no ano passado e neste ano, não tem
compensado a alta do custo de vida. No fim de 2021, o presidente Jair Bolsonaro
(PL) editou a Medida Provisória (MP) nº 1.091/2021, que aumentou o salário mínimo
para R$ 1.212.
Apesar de o
reajuste nominal ser de 10,18%, descontada a diferença em relação ao reajuste
abaixo da inflação ocorrido no piso do ano passado, a correção foi de 10,02%,
conforme os dados do Ministério da Economia. Logo, o novo piso salarial ficou
0,14 ponto percentual abaixo da alta de 10,16% do Índice Nacional de Preços ao
Consumidor (INPC) — indicador que corrige o salário mínimo — registrada em
2021.
De acordo com o
assistente social, doutor em sociologia e professor emérito da Universidade de
Brasília (UnB) Vicente Faleiros, a junção de inflação com queda de renda é uma
combinação perversa para todos os assalariados, em especial para os
trabalhadores informais, que estão sentindo ainda mais o impacto da inflação há
mais tempo. "A queda da renda tem sido mais acentuada nas faixas de menor
rendimento. Com o desemprego, o arrocho salarial e o distanciamento social que
impediu trabalhos informais, como dos ambulantes, a situação ficou ainda mais
crítica para esses trabalhadores", afirma. "A inflação, em torno de
10%, no geral, teve um impacto de 40% para as famílias mais pobres que utilizam
seus rendimentos no consumo de sobrevivência, como comida, gás, eletricidade e
transporte. Nessas condições, aumenta a desigualdade social, a sobrecarga no
grupo familiar e a necessidade de cortar não só a carne, mas cortar na carne,
reduzindo o necessário", explica o acadêmico.
Rendimento familiar cai e trabalhador
está tendo que escolher comer ou pagar conta(foto: Arte/CB)
Desafios
Escolher entre
comer e pagar as contas é um dos principais desafios dos trabalhadores mais
pobres em tempos de inflação elevada combinada com pandemia. Pesquisa da
Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec), contratada pelo Instituto Clima
e Sociedade (ICS), sobre o impacto entre escolher pagar contas ou comprar
alimentos aponta que o gasto com energia elétrica e gás de cozinha compromete
metade ou mais da renda de 46% das famílias brasileiras.
A cozinheira Cibele
Arantes, 43 anos, desempregada há nove meses, está nesse grupo de pessoas que
tentam sobreviver com o pouco que ganham diante da alta generalizada dos
preços. Ela mora em uma casa com dois filhos para criar, mas conta com a ajuda
do pai das crianças. "O restaurante onde eu trabalhava fechou as portas,
muito cliente parou de ir lá nessa crise. A sorte é que eu tenho meu marido
para me ajudar nos custos aqui em casa", conta.
Com uma renda
familiar menor desde que perdeu seu emprego, Cibele diz que fica cada vez mais
difícil fechar o mês no azul. "Agora, tem vez que tenho que deixar de
pagar conta para comprar alimento", explica. Os boletos se acumularam e
ela não conseguiu pagar nem o telefone. "Eu fiquei umas três semanas sem
internet porque não consegui pagar meu plano. Um emprego resolveria tudo, já me
apliquei para diversas vagas, mas ainda não tive uma resposta positiva",
afirma.
Fator agravante
para os altos índices inflacionários, o dólar, é sentido, sobretudo, na bomba
dos combustíveis. Em 2017, o preço médio da gasolina era de R$ 4,099. Cinco
anos depois, em alguns estados, o litro ultrapassou os R$ 7. O peso desse
aumento foi sentido, principalmente, por quem usa veículos para trabalhar.
É o caso do
motorista de aplicativo André Braz, 50 anos, que viu a sua rotina virar de
cabeça para baixo com a alta no preço dos combustíveis. Há quatro anos na
profissão, André costumava trabalhar 12 horas diárias ao volante. Agora, isso
já não é suficiente para acompanhar os reajustes nos preços da gasolina. Para
compensar e equilibrar as despesas, ele começou a vender produtos para passageiros,
como perfumes, roupas, balas e itens de beleza. Contudo, vê o lucro pressionado
pela inflação. "Os preço dos produtos pesam mais para mim. Mas como vou
repassar isso?", pergunta.
Professor de
macroeconomia da UnB, Roberto Ellery aponta uma "forte correlação"
entre o aumento da inflação e a pobreza. "Uma possível explicação é que os
mais pobres não conseguem reajustar suas rendas para repor as perdas com a
inflação. O argumento também vale para os assalariados em geral. Políticas de transferência
de renda podem amenizar o efeito sobre a miséria", afirma.
Além da inflação
corroendo a renda das famílias, outro ponto de preocupação para a economia no
mundo é o recrudescimento da pandemia com o surgimento da variante ômicron, que
pode voltar a afetar o setor de serviços, que é o que mais emprega e estava
começando a se recuperar no fim de 2021, segundo os analistas.
CB